Sou uma pisciana bastante estereotípica. O que significa que tenho um baú onde guardo itens especiais que coletei ao longo da vida. DVDs caseiros de filmes do Spike Jonze feitos por interesses amorosos do passado. Campanhas publicitárias que achei fofas. Colunas de revista que julguei inspiradoras. Reportagens em jornais sobre meus artistas favoritos. Canhotos de ingressos de shows. Canhotos de ingressos de cinema. E canhotos de ingressos de jogos de futebol.
Esses dias, revirando a caixa, encontrei a entrada de um Botafogo x Fluminense realizado em 13 de maio de 2012, às 16h, no “Stadium Rio”. Stadium Rio era como o governo chamava o ex-Estádio Olímpico João Havelange, hoje Estádio Nilton Santos, mas para sempre Engenhão em nossos corações não alvinegros. A referida partida foi nada mais, nada menos do que a FINAL do Campeonato Carioca daquele ano. E eu não tenho nenhum resquício de lembrança disso.
De acordo com a crônica do ge, aquele fora um domingo chuvoso. O Fluminense havia metido 4 x 1 na ida. O título estava bem encaminhado. Talvez por isso meu pai tenha se animado para ir ao jogo. Na partida de volta, outra VITÓRIA FLUMINENSE: 1 x 0, gol de Rafael Moura, o He-Man — que tinha esse apelido por causa dos cabelos louros e crescidos.
Além do personagem de desenho animado, o esquadrão tricolor contava com o goleiro Diego Cavalieri, o zagueiro Gum, o meio-campista Deco (que brilhou na Seleção Portuguesa), o armador Thiago Neves e o atacante Rafael Sóbis, time que viria a ser campeão brasileiro naquele ano (desse título, eu lembro bem). Fred não jogou porque estava — adivinhe — lesionado.
O técnico era Abel Braga. Fun fact: depois dessa conquista, o Tricolor ficou 10 anos sem vencer um Carioca. Voltou a levantar o caneco em 2022, com... ele mesmo, Abel Braga, no comando. Pelo lado alvinegro, destacavam-se o goleiro Jefferson e o atacante uruguaio Loco Abreu, o da cavadinha, ambos ídolos do Botafogo.
(Essas quianxa tão tudo com 12-13 anos agora…)
Mas por que raios eu não tenho um lampejo sequer de memória de ter visto o Fluminense ser campeão carioca in loco? Na psicanálise, existe um conceito chamado recalque. Nada a ver com a versão funkeira do termo (sinônimo de inveja). O recalque psicanalítico se dá quando uma lembrança traumática é tão nociva à psique que o inconsciente resolve retirá-la da consciência. Deixa-a lá, quietinha, escondida em algum canto do hipotálamo. Não é que a lembrança seja esquecida por completo. Ela continua existindo no inconsciente. E pode vir à tona em sonhos, por exemplo. Mas, conscientemente, é como se ela nunca tivesse ocorrido.
Mas por que raios (2) uma final em que o Fluminense foi campeão seria traumática para o meu eu de 16 anos? Será que aconteceu alguma merda depois do jogo? Presenciei alguma briga? Algum familiar arranjou uma confusão e me envergonhou em público? Também existe outra alternativa: eu ter achado esse ingresso na rua. Ou alguém que foi ao estádio ter me dado pra que eu guardasse de souvenir. É possível. Em 2012, eu tinha um interesse amoroso que era tricolor. Nós estudávamos na mesma sala e grande parte do nosso laço se dava por sermos ambos torcedores do Fluminense.
Curiosamente, a semana que começou com o título carioca também contaria com um embate com o Boca Juniors, o nosso rival na final da Copa Libertadores da América, que vai rolar no próximo sábado, dia 4. Aquele Flu x Boca foi pelas quartas-de-final da competição. O Flu perdeu o jogo de ida na Bombonera por 1 x 0, empatou em 1 x 1 no Engenhão e foi eliminado. Oremos para que o confronto deste sábado seja bem diferente e termine com um choro de *felicidade* de Vossa Humilde Narradora. Eu creio, você crê?
Comecei esse texto após os 2 x 0 que o Fluminense levou do Botafogo no dia 8 de outubro, pela 26ª rodada do Brasileiro — pra você ver o tamanho do meu problema procrastinatório. Mas a gente nem ligou pra derrota. O Fluminense havia acabado de se classificar pra final da Liberta de forma épica. Àquela altura, o Botafogo ostentava uma vantagem de 8 pontos sobre o segundo colocado do Brasileiro.
Agora, apenas três pontos o separam do vice-líder Palmeiras. O Alvinegro acabou de levar uma invertida histórica do mesmo Palmeiras. O Fogão abriu 3 x 0 e inexplicavelmente cedeu a virada. Mas ainda creio que o Botafogo alcançará seu terceiro título de Campeonato Brasileiro em dezembro. Você crê?
Conforme escrevi lá em cima, sou pisciana. O que significa que sou boba a ponto de ficar contente pelo triunfo dos rivais, como relatei nesta carta e nessa outra. Chorei com a virada do Flamengo sobre o River na final da Libertadores 2019. E fico genuinamente feliz com esse ressurgimento do Botafogo. O Botafogo tava morto há décadas. Penso em todas as pessoas que estão felizes com esse despertar.
Mas por que raios (3) eu tô escrevendo neste começo de dia de Finados sobre um Botafogo x Fluminense de 11 anos atrás e um Fluminense x Botafogo de quase quatro semanas atrás? Primeiro porque escrevi sobre um Fla-Flu e sobre um Flu-Vas, e minha lua em virgem não me deixaria descansar enquanto não completasse a tríade dos clássicos cariocas. Que inferno habitar minha cabeça.
Segundo porque talvez esteja a fim de certo torcedor do Botafogo do meu Instagram que não me dá muita bola e talvez tenha a parca esperança de que ele clique no link no meu story e leia esta carta até o final.
Textos (e podcasts) são bilhetes em garrafas jogadas ao mar internético. Às vezes, elas chegam ao destinatário. Vejamos. E seremos.
(Crédito da primeira foto: Fernando Soutello/AGIF)