Nós nunca fomos muito de ir ao estádio. Mais por falta de hábito do que pelo aspecto financeiro – embora o aspecto financeiro também pesasse. Nossa média era de uma vez ao ano. Quase sempre um jogo de domingo à tarde, do Campeonato Brasileiro. O primeiro jogo que vi num estádio tinha essas exatas características.
Fomos meu avô, meu pai e eu para o Maracanã. Era 14 de outubro de 2001, eu tinha 5 anos. Claro que não me lembrava da data exata, nem guardei o ingresso como souvenir. Só me recordava do adversário, São Paulo, e que tinha sido empate. Através do Google, descobri que o jogo havia de fato ocorrido num domingo à tarde e pelo Campeonato Brasileiro. E que o empate foi de 1 x 1.
Uma coisa que eu nunca esqueci foi que, na empolgação da comemoração do gol do Fluminense (aos 17 min do segundo tempo, após estar perdendo de 1 x 0 desde os 15 da primeira etapa), um homem branco, de uns 48 anos, caiu em cima de mim. Ele ficou aflitíssimo, coitado. Pra se desculpar, me comprou um copo de mate. Nada mais carioca e tricolor do que isso.
Pensar que o então centroavante Fernando Diniz estava em campo pelo Fluminense naquele jogo me dá um nó na cabeça. Quem imaginaria que, dali a pouco mais de 20 anos, ele se tornaria um dos técnicos mais importantes da história do clube? Quem imaginaria que ele seria um dos treinadores mais inovadores do futebol brasileiro? Coragem, beleza, dinamismo. Dinizismo. Quem consegue ser tão especial a ponto de ter um estilo de jogo nomeado em sua homenagem?
Meu eu de 5 anos viu Diniz jogador em campo (e provavelmente nem tava entendendo o que tava rolando ali) e meu eu adulta viu Diniz treinador à beira do campo 22 anos e 5 dias depois. Talk about full circle moment, right????
Eu não ia ao estádio desde 21 de setembro de 2013. Já era o Novo Maracanã, reinaugurado poucos meses antes, para a Copa do Mundo de 2014. Flu x Coritiba, Brasileirão, sábado, 18h30. A gente foi de metrô. A gente, i.e., eu, meu interesse amoroso da época (que citei brevemente na carta anterior) e uns três amigos dele (dois meninos e uma menina). Claro que eu, sem fugir de minha natureza pisciana, nutria ilusões de que a gente fosse se beijar quando o Fluminense marcasse.
O Fluminense marcou, e a gente não se beijou. A gente nem ao menos se abraçou. Foi 1 x 1. Mas não o 1 x 1 da canção dos Tribalistas. Na prática, foi um 0 x 0.
Resolvi voltar ao Maracanã, após dez anos de ausência, na partida que o Flu disputou contra o Corinthians, no último dia 19. O jogo seria realizado às 21h30 de uma quinta-feira. Eu nunca tinha ido ao estádio para um jogo à noite, no meio de semana. Hesitei por um momento. Devo ir? É muito tarde. Como será a volta pra casa? Mas logo saquei que essa voz não era minha. Era do super eu. Que, por sua vez, representa o pai internalizado. (Segura aí essa pílula de psicanálise.)
Ora, eu tenho 27 anos. Não sou mais aquela criança de 5 anos, nem aquela adolescente de 17. Posso ir a um jogo às 21h30 no meio de semana. E fui. E foi uma das melhores experiências da minha vida, sem um pingo de exagero.
Estamos falando de um jogo do Campeonato Brasileiro, não da Libertadores. Um jogo sem muito apelo entre os torcedores – os presentes foram apenas cerca de 30 mil. Um jogo que, de especial, só tinha o fato de que o time ia estrear o terceiro uniforme, lançado em homenagem ao ídolo da música Cartola, ilustre tricolor.
Mas era minha última oportunidade de cantar “VAMOS, TRICOLORES, CHEGOU A HORA, VAMOS GANHAR A LIBERTADORES” antes da grande final. Depois do confronto com o Corinthians, todos os jogos do Fluminense seriam fora de casa ou em Volta Redonda. Eu não poderia deixar de comparecer.
Perguntei ao meu amigo Victor Hugo se ele iria ao jogo. Logo adicionei que, se ele não fosse, eu iria sozinha mesmo. Ele foi. Mas acabamos nos desencontrando por inoperâncias da tecnologia. Então, eu de fato fui sozinha. E não poderia ter sido de outra forma. Acho que tava secretamente desejosa de ir sola mesmo. Queria estar 100% ali. Vivendo aquela euforia com os meus, aquela alegria por estarmos numa final de Libertadores novamente após 15 anos.
Quando adentrei as arquibancadas da leste superior, tenho certeza de que a Carol de 5 anos e a Carol de 17 entraram comigo. A gente tava muito, muito feliz. Sentei numa cadeira e havia outras duas vazias, uma de cada lado. Pareciam especialmente reservadas para minhas versões criança e adolê. Nós observamos a linda imagem 3D que a torcida confeccionou para homenagear Cartola. Ficamos aflitas quando o Corinthians abriu o placar, aos 9 minutos.
Vibramos com o gol de empate de Lima. Cantamos juntas PARA PRA VER / QUE COMEÇOU / O SHOW DO MEU TRICOLOR após o gol, música que a Carol de 17 já entoava no estádio. Cantamos pela primeira vez no estádio O FLUMINENSE VAI JOGAR, EU VOU FICAR LOUCO DA CABEÇA e VAMOS, TRICOLORES, CHEGOU A HORA, VAMOS GANHAR A LIBERTADORES.
O Corinthians marcou mais duas vezes, e o jogo foi para o intervalo com o placar de 3 x 1. Apesar disso, eu não me sentia derrotada, desanimada. Talvez fosse só a empolgação de estar ali. Talvez fosse uma certeza de que nós reverteríamos o placar. E foi batata. O Fluminense voltou muito melhor pro segundo tempo. Marcelo comeu a bola, André correu demais, Lima marcou mais um aos 10. Arias empatou aos 37. Estivemos muito, muito perto de virar. O placar final foi 3 x 3, mas o empate teve sabor de vitória, com o perdão do clichê futebolístico.
Ter comemorado três gols do Fluminense sozinha e ao mesmo tempo acompanhada. Ter comemorado com outros milhares de tricolores. Ter entoado os cânticos junto com eles. Ter ficado puta com os jogadores junto com eles. Ter reclamado de escanteio curto junto com eles. Ter arfado com aquelas trocas de passes dentro da própria área junto com eles. Ter xingado a arbitragem junto com eles. E com elas, minha miniquerida e minha mediaquerida. Ter me sentido uma fraude ao cantar “Isso aqui é arquibancada, não é sofá” sendo que tava pisando no Maracanã pela primeira vez em dez anos (risos)… Isso tudo foi inestimável. Que presente.
Ingresso: R$ 33. Passagens de metrô: R$ 6,90 na ida e R$ 6,90 na volta. Ter a experiência coletiva e individual que só o futebol proporciona: não tem preço.